segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Memórias - Conto (Desafio)

 Olá!

Venho aqui com o meu conto para o desafio do Grupo Fábrica de Histórias.

Título: Memórias
Número de Palavras: 1.083 Palavras
Autora: Marina Costa
Sinopse: Alice tinha trinta e dois anos em 1983 quando a ditadura militar a encontrou e a usou para que o marido revelasse os seus aliados. Quase trinta anos depois, Alice reencontra o seu antigo diário onde relata tudo o que passou durante aquele regime.

Créditos: Fábrica de Histórias

Alice limpou o seu quarto. Era dia de mudança na sua vida. Debaixo da sua cama estavam caixas grandes que ela nem se lembrava mais que as tinha. Lá estavam contidas cartas, diários, textos, marcações, mas acima de tudo, estavam contidas memórias.

Ela mexeu em tudo, leu na diagonal algumas coisas, se emocionou. Depois, parou. Viu um caderno pequeno no fundo de uma caixa. Ela reconhecia aquele caderno. Pegou nele. Não era um caderno, era um diário antigo. Ela o abriu com cuidado. Todas as suas memórias cruéis estavam ali, marcadas naquelas folhas a cheirarem a pó. Sim, aquele diário era o que continha as piores memórias, por isso estava no fundo da caixa, tentando ser esquecido. Começou a ler, sentada na cama.

"2 de Fevereiro de 1983

Hoje, levaram o meu companheiro. Ele foi levado pelos militares da nossa casa. Arrancado da sua própria casa, arrancado dos braços da sua família. A dor do meu menino, Pedro, foi lamentável. Ninguém deveria provocar o choro de uma criança. Mas eles provocaram. Ele é apenas uma criança de doze anos com medo do que poderiam fazer ao pai. O que iriam fazer com o meu Guilherme? Não sei. Nem sei como será o dia de amanhã. Mas tenho que ser forte. Isso tudo irá passar. Falei com uma vizinha que me deu uma lata de feijão para o almoço. Estamos ambas tristes. O marido dela também foi levado pelos militares. O filho dela foi torturado. O que iria acontecer com o meu menino? O filho da vizinha é mais velho, bem mais velho, mas é tudo tão cruel. O Pedro é uma criança. Eles não irão fazer mal a uma criança. Ou será que vão?"

Alice olhou para a próxima folha, quase fungava para não chorar.

"3 de Fevereiro de 1983

Soube por uma outra vizinha, de forma subtil, que iriam torturar o meu marido. Eu já sabia que era isso que iria acontecer. Eu sabia que ele iria ser machucado. O meu Pedro chora toda a noite com medo, com saudades, com tudo. Eu também tenho medo, mas não posso mostrar. O meu filho precisa de mim. E eu também preciso dele. O marido da minha vizinha morreu. Depois de uma tortura enorme, ele sucumbiu. Meu Deus! Se existir que nos acuda a todos!"

9 de Fevereiro de 1983

O meu marido foi deixado na solitária sem comida nem bebida. Não sei o que irá acontecer com a nossa família..."

Estas foram as últimas palavras do diário, pelo menos algumas páginas em branco ficaram. Alice fechou os olhos e se recordou das coisas cruéis que tinha visto.
Ela se recordou da forte oposição da sociedade que enfrentou os militares na rua. Existiram várias manifestações contra os militares que foram violentamente reprimidas. Pessoas criaram movimentos armados que foram de dizimando com o tempo. Alguns cidadãos foram agredidos no rosto, braços e pernas no meio da rua. Gritos e choros eram ouvidos. Sangue era visto nas ruas do Recife. Vizinhos seus foram agredidos. Outros torturados. Outros mortos. A situação era difícil. A situação era avassaladora. A situação era cruel.
Ela se recordou do marido preso na solitária, sem beber, com um ar de cansaço no rosto. No dia 10 de Fevereiro, Alice tinha perdido o filho. Ele foi levado para uma prisão. Já ela, foi levada para junto do marido. Eles puderam conversar um pouco, mas ele estava cansado demais para manter um diálogo. Ele se manteve firme durante quinze dias, depois foi torturado fisicamente com choques elétricos. Depois... Ainda houve depois... o marido de Alice foi torturado com a ajuda de mais instrumentos. Acabou por morrer agonizando.
Alice também foi diretamente vitima de violência. Ela foi mantida enclausurada numa cela e estuprada por alguns militares. Acabou ficando grávida, mas no momento da gravidez a criança nasceu morta.
No meio de lembranças, Alice virou o resto das páginas em branco. As duas últimas estavam escrita. Ela as leu.

"11 de Novembro de 1985

Tudo passou. A ditadura acabou, mas as mazelas ficaram. Tantas pessoas morrendo, tantas pessoas torturadas, tantas pessoas perdidas, tantas pessoas feridas, tantas pessoas acabadas. As marcas no corpo podem sarar, mas as da mente ficarão para sempre nas nossas vidas. Perdi o meu marido. E estou a perder o meu filho. Aquela criança vai ter uma vida de adulto complicada. Tanta coisa que ele passou, tanta coisa que ele provavelmente irá passar... Não sei se terei forças. Mas tenho que as ter, não sei onde, mas tenho. Minhas vizinhas perderam maridos, filhos... eu perdi a minha dignidade. Fechada numa cela trancada, pedindo para morrer, com um filho na barriga que nem sabia de quem era. O meu marido nunca soube. Mas, ao mesmo tempo, soube. Ele sabia. Ele não precisou que eu falasse. Ele sabia o que acontecia em celas com mulheres sozinhas trancadas. Ele sabia e não olhou de lado para mim. Ele sempre soube que estive do lado dele. E agora, pelo nosso filho, eu vou ter que ser forte. Vou ter que seguir em frente. Agora tudo acabou e espero que nunca mais volte a ser o que era. Agora teremos que sobreviver, todos nós. Juntos.

12 de Dezembro de 1989

Aprendi a viver, ou aprendi a reviver. Hoje estamos melhores. As minhas vizinhas conseguiram reconstruir a vida delas. Eu tento reconstruir a minha todos os dias, me esforçando para que esse regime nunca mais volte. Se depender de mim, nunca voltará. O meu filho, se Deus permitir, se tornará um ótimo adulto. Pretendo que ele se torne num homem de respeito, num homem empático, num homem feliz.
Hoje será a última vez que escreverei aqui. Não quero escrever mais nesse caderno pequeno cheio de memórias ruins. Não irei queimá-lo. Nem pensar! Mas irei guardá-lo em algum lugar onde não o consiga achar. Tudo isso serão apenas memórias. Memórias ruins de um passado que pretendo esquecer. Mas não esquecer completamente. A ditadura nunca deverá voltar ao Brasil. Nunca deverá voltar a país nenhum. E, no que depender de mim, irei afastá-lo com todas as minhas forças. Voltarei a esse diário se estivermos à beira de uma ditadura, ou simplesmente porque cheguei a ele."

Alice fechou o diário antigo. Sorriu levemente. Da sala dava para se ouvir a televisão. Era o noticiário. Estavam ocorrendo as eleições de 2018. A mulher respirou fundo, guardou as suas coisas, mas, dessa vez, colocou o diário não no fundo, mas em cima de todas as memórias. Fechou a caixa e voltou para a sala.

Fim do conto...

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Quarentena no Ano 20 - Conto (Desafio)

Olá!
Aqui venho com o meu conto para o desafio do Grupo Fábrica de Histórias.

Título: Quarentena no Ano 20.
Número de Palavras: 727 palavras
Autora: Marina Costa
Sinopse: Em 2064, Júlia conta ao seu neto o que passou durante a pandemia da Covid 19 em 2020. Em palavras calmas, fala sobre a quarentena, as máscaras, a falta de proximidade, os problemas profissionais, o desemprego, a dor do afastamento e as perdas humanas.

Desafio Literário (Créditos: Fábrica de Histórias)

Deixei o meu neto sentar-se ao meu lado. Há pouco mais de quarenta anos ocorreu aquele terrível "acidente", aquela doença que parou o mundo. Covid 19, o seu nome.
– Foi assim tão mau? – Perguntou o neto, preocupado.
– Foi, querido. Estás pronto para ouvir?
Ele fez um sim com a cabeça. Respirei fundo e comecei a lembrar-me.
– Gostas de falar com os teus amigos pela Internet, não é?
Ele confirmou com a cabeça.
– Durante esta pandemia o amor entre as pessoas era provado por aí. As pessoas não se viam pessoalmente. A humanidade evoluiu, todos estavam ligados, era bom, as pessoas distantes falavam e viam-se em tempo real, parecia que estavam perto.
– Mas isso acontece agora.
Eu comecei a rir.
– Sim, mas estamos a falar de 2020, querido. – Fiz uma pausa e recomecei – Sabes, esta pandemia juntou as pessoas distantes, mas afastou as pessoas que estavam próximas, que viviam dentro da mesma casa, os pais deixavam de falar com os filhos, tudo dentro da própria casa. Para se conseguir ter mais conforto a nível da humanidade e da saúde, as pessoas trabalhavam fora. Os médicos não viam as famílias. Tudo para salvarem a humanidade. O povo estava a tornar-se egoísta antes e Deus enviou uma doença que nos levou a entender a importância do amor e da amizade.
– Eram assim tão más pessoas?
– Sim, querido. As pessoas antes desta doença estavam a perder os valores mais importantes: a empatia, a humildade, a bondade. Estavam a tornar-se escravas do trabalho. Com aquela doença, o povo teve que parar em casa. As pessoas de todo o mundo foram obrigadas a ficar em casa, pois era a única forma de travar o perigo. Isso levou a que as pessoas se encontrassem.
– Não foi difícil?
– Foi, querido.
– Deve ter sido assustador.
– E foi, querido. Em alguns países, as pessoas tiveram que ficar em casa três meses, vinte e quatro horas por dia. Foi difícil, mas as pessoas começaram a viajar para dentro de si mesmas e redescobriram o caminho, redescobriram o amor, o coração, a fé, a amizade, a humildade, o companheirismo, a esperança, a empatia. Quando isso aconteceu uma luz começou a brilhar e quanto mais eles tinham esperança, mais aprendiam a lição e mais o coração brilhava. As pessoas começaram-se a unir, a querer a vida, a quererem ficar próximas.
– Isso acabou com a doença?
Eu abanei a cabeça.
– Não aconteceu logo, querido. Começámos a sair à rua de máscara. As pessoas perderam os seus empregos, tiveram que pedir ajuda. Todos começaram a unir-se. A dar casa, a dar abrigo. Houve muitas perdas, muitas mortes, mas as pessoas uniram-se contra a doença. Tivemos que nos afastar. Não nos pudemos abraçar.
– Quanto tempo durou?
– Ainda um bom tempo. A doença durou um ano. Depois surgiu a vacina. Os infetados conseguiram recuperar.
– E depois?
– Depois as pessoas mudaram os seus hábitos. Começaram a sair à rua e a cumprimentarem-se. Começaram a fazer o que lhes tinha sido proibido. Abraços, beijos e até mesmo sorrisos que a máscara teve que tapar. Tinham aprendido a lição e assim com as pessoas cobertas de amizade, humildade e empatia, Deus permitiu que a humanidade entrasse numa nova era, uma era de amor, união e humildade.
– Que bonito, avó! Teve tudo um final feliz.
– Sim, acabou por ter. As mortes foram relembradas numa data mundial e todos se lembraram deste período mais triste.
– Alguém morreu dessa doença na nossa família?
Aquela pergunta parou-me o coração.
– Sim, querido. Perdi os meus avós. Eles eram a faixa etária com mais perigo a ter a doença. Eu, naquela época, era uma jovem com pouco mais de vinte anos que só queria me divertir. Saí à rua com amigos, alguns infetados, sei lá, e tudo aconteceu aí. Cheguei em casa e infetei os meus avós. Foi triste. Eu não era uma boa pessoa, meu querido. – Fiz uma pausa. Ele também ficou calado – Por isso é que te estou a contar isto. Tens que saber que as pessoas com o amor no coração são mais bonitas, são mais saudáveis. Deus nos dá o dobro se fizermos a coisa certa, e também nos dá o dobro se fizermos a coisa errada.
– Obrigado, avó. Foi uma história muito bonita.
– Espero que nunca te esqueças disto, meu querido.
– Não, avó. Eu tenho amor no coração.
Ele levou uma mão ao peito. Eu só pude sorrir.


Fim do conto...

Não Fui O Melhor - Microconto (Desafio)

Olá!
Aqui venho com o meu microconto para o desafio do Grupo Fábrica de Histórias.

Título: Não Fui o Melhor
Número de Palavras: 84 palavras
Autora: Marina Costa
Música: No Fui El Mejor de Gustavo Elis

Vídeo:



"Eu sei que a nossa relação acabou, não te lembras de mim, sei que errei, mas nunca me perdoarás. Esta é a última carta. Perdi uma segunda oportunidade. Fiz um erro e o confesso. Desculpa. Já não irei atrás de ti. Adeus."
Ela leu a carta pelas mãos da mãe.
– Ele me amava tanto assim?
– Não, ele causou o teu acidente e fez-te perder a memória.
A jovem recebeu três cartas das quinze que ele lhe enviou pela mãe dela. Nunca mais se reencontraram.




domingo, 5 de julho de 2020

Desafios Literários no Fábrica de Histórias

Olá!
Quase sinto vergonha de vir aqui depois de tanto tempo, mas cá estou eu.
Desta vim, vim divulgar um desafio literário do Grupo do Facebook Fábrica de Histórias.
Este blogue ainda é um blogue de Concursos e Desafios e continua a divulgá-los, se existirem.

Deixarei aqui as regras abaixo, avisando que irei participar e deixarei os meus textos aqui!


1) Microconto songfic - Devemos escrever um microconto de até 500 palavras baseado em qualquer música que a gente goste, de qualquer estilo. Não é para colocar o trecho da música no meio da história em separado. O trecho pode aparecer como epígrafe, mas devemos nos basear na letra para escrever a nossa história.





2) Conto com protagonista idoso - Podemos fazer um conto de 500 a 6.000 mil palavras sobre personagens que já estejam na terceira idade, relembrando que os dia dos avós é no fim do mês.

Regras:
1) Você pode participar dos dois desafios com quantas histórias quiser, mas só será premiado(a) com uma.
2) Respeite o tema e o limite de cada proposta;
3) Respeite as regras da plataforma em que postar sua(s) história(s); aceitarão histórias publicadas em todos os sites, incluindo blogs e sites pessoais.
4) Prazo de inscrições: 04 de Julho a 31 de Julho de 2020.
5) A história pode estar dividida em capítulos (no caso dos contos) desde que não ultrapasse o limite máximo e esteja marcada como concluída no dia 31.
6) A moderação do grupo pode participar, mas apenas para incentivar a comunidade. Nenhum admin ou moderador será premiado.

Premiação:
Selos de primeiro, segundo e terceiro lugares para cada proposta e divulgação especial no grupo e na página.

Para participar: Grupo Fábrica de Histórias
A página do grupo: Página Fábrica de Histórias

Deixarei os meus textos aqui em breve!