Aqui venho com o meu conto para o desafio do Grupo Fábrica de Histórias.
Título: Quarentena no Ano 20.
Número de Palavras: 727 palavras
Autora: Marina Costa
Sinopse: Em 2064, Júlia conta ao seu neto o que passou durante a pandemia da Covid 19 em 2020. Em palavras calmas, fala sobre a quarentena, as máscaras, a falta de proximidade, os problemas profissionais, o desemprego, a dor do afastamento e as perdas humanas.
Desafio Literário (Créditos: Fábrica de Histórias) |
Deixei o meu neto sentar-se ao meu lado. Há pouco mais de quarenta anos ocorreu aquele terrível "acidente", aquela doença que parou o mundo. Covid 19, o seu nome.
– Foi assim tão mau? – Perguntou o neto, preocupado.
– Foi, querido. Estás pronto para ouvir?
Ele fez um sim com a cabeça. Respirei fundo e comecei a lembrar-me.
– Gostas de falar com os teus amigos pela Internet, não é?
Ele confirmou com a cabeça.
– Durante esta pandemia o amor entre as pessoas era provado por aí. As pessoas não se viam pessoalmente. A humanidade evoluiu, todos estavam ligados, era bom, as pessoas distantes falavam e viam-se em tempo real, parecia que estavam perto.
– Mas isso acontece agora.
Eu comecei a rir.
– Sim, mas estamos a falar de 2020, querido. – Fiz uma pausa e recomecei – Sabes, esta pandemia juntou as pessoas distantes, mas afastou as pessoas que estavam próximas, que viviam dentro da mesma casa, os pais deixavam de falar com os filhos, tudo dentro da própria casa. Para se conseguir ter mais conforto a nível da humanidade e da saúde, as pessoas trabalhavam fora. Os médicos não viam as famílias. Tudo para salvarem a humanidade. O povo estava a tornar-se egoísta antes e Deus enviou uma doença que nos levou a entender a importância do amor e da amizade.
– Eram assim tão más pessoas?
– Sim, querido. As pessoas antes desta doença estavam a perder os valores mais importantes: a empatia, a humildade, a bondade. Estavam a tornar-se escravas do trabalho. Com aquela doença, o povo teve que parar em casa. As pessoas de todo o mundo foram obrigadas a ficar em casa, pois era a única forma de travar o perigo. Isso levou a que as pessoas se encontrassem.
– Não foi difícil?
– Foi, querido.
– Deve ter sido assustador.
– E foi, querido. Em alguns países, as pessoas tiveram que ficar em casa três meses, vinte e quatro horas por dia. Foi difícil, mas as pessoas começaram a viajar para dentro de si mesmas e redescobriram o caminho, redescobriram o amor, o coração, a fé, a amizade, a humildade, o companheirismo, a esperança, a empatia. Quando isso aconteceu uma luz começou a brilhar e quanto mais eles tinham esperança, mais aprendiam a lição e mais o coração brilhava. As pessoas começaram-se a unir, a querer a vida, a quererem ficar próximas.
– Isso acabou com a doença?
Eu abanei a cabeça.
– Não aconteceu logo, querido. Começámos a sair à rua de máscara. As pessoas perderam os seus empregos, tiveram que pedir ajuda. Todos começaram a unir-se. A dar casa, a dar abrigo. Houve muitas perdas, muitas mortes, mas as pessoas uniram-se contra a doença. Tivemos que nos afastar. Não nos pudemos abraçar.
– Quanto tempo durou?
– Ainda um bom tempo. A doença durou um ano. Depois surgiu a vacina. Os infetados conseguiram recuperar.
– E depois?
– Depois as pessoas mudaram os seus hábitos. Começaram a sair à rua e a cumprimentarem-se. Começaram a fazer o que lhes tinha sido proibido. Abraços, beijos e até mesmo sorrisos que a máscara teve que tapar. Tinham aprendido a lição e assim com as pessoas cobertas de amizade, humildade e empatia, Deus permitiu que a humanidade entrasse numa nova era, uma era de amor, união e humildade.
– Que bonito, avó! Teve tudo um final feliz.
– Sim, acabou por ter. As mortes foram relembradas numa data mundial e todos se lembraram deste período mais triste.
– Alguém morreu dessa doença na nossa família?
Aquela pergunta parou-me o coração.
– Sim, querido. Perdi os meus avós. Eles eram a faixa etária com mais perigo a ter a doença. Eu, naquela época, era uma jovem com pouco mais de vinte anos que só queria me divertir. Saí à rua com amigos, alguns infetados, sei lá, e tudo aconteceu aí. Cheguei em casa e infetei os meus avós. Foi triste. Eu não era uma boa pessoa, meu querido. – Fiz uma pausa. Ele também ficou calado – Por isso é que te estou a contar isto. Tens que saber que as pessoas com o amor no coração são mais bonitas, são mais saudáveis. Deus nos dá o dobro se fizermos a coisa certa, e também nos dá o dobro se fizermos a coisa errada.
– Obrigado, avó. Foi uma história muito bonita.
– Espero que nunca te esqueças disto, meu querido.
– Não, avó. Eu tenho amor no coração.
Ele levou uma mão ao peito. Eu só pude sorrir.
Fim do conto...